A JORNALISTA FALA SOBRE A SÍNDROME DE BURNOUT – Há quase 5 anos, a jornalista Izabella Camargo,42 anos, estava ao vivo apresentando a previsão do tempo de um dos telejornais da TV Globo e de repente teve um verdadeiro “apagão”, que lhe fez esquecer o nome da capital do seu estado natal, o Paraná, no caso a cidade e Curitiba.
Na ocasião, ela não se lembrava quem era, para onde iria e nem o local que estava. Em seguida, a jornalista foi encaminha-a ao médico psiquiatra e recebeu odiagnóstico de que sofria da síndrome de Burnout ou síndrome do esgotamento profissional.
Segundo o Ministério da Saúde, asíndrome é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico ocasionados por situações de trabalho desgastante, que demandam competitividade ou responsabilidade demasiadas. Portanto, a principal causa da doença é o excesso de trabalho.
Na época do “apagão”, Izabella tinha um emprego sonhado por muitas pessoas, afinal trabalhar numa das principais emissoras do país era a idealização da maior parte dos profissionais da sua área, o jornalismo. Porém, o excesso de cobrança que ela vinha sofrendo e as mudanças no seu horário de sono – uma vez que ela fazia parte do “Hora Um”, um jornal que tinha início bem cedo, ainda durante a madrugada – foram dois motivos que a tiraram do eixo e culminaram no episódio.
Nesse momento, a jornalista precisou rever a sua vida profissional e avaliar se aquele ritmo de trabalho estava lhe fazendo bem, pois os sintomas que ela vinha apresentando não eram fraqueza ou falta de empenho, como muitos consideram ao pensar somente naquestão da produtividade a qualquer preço. “A síndrome não é frescura, ou seja, é um problema provocado pelo excesso de trabalho em um ambiente onde os recursos são inferiores às demandas eque, após um período longo de exaustãoe o sujeito viver algum tipo de assédio, vai ter um dano existencial e com isso perder sua funcionalidade (vai deixar de fazer lgo que sempre fez com facilidade)” – afirma Izabella.
Após o episódio, ela conta que pediu um afastamento médico do noticiário matutino para cuidar da sua saúde, mas voltou dois dias depois e foi surpreendida com a notícia de que havia sido demitida da emissora. Segundo um relato anterior da jornalista, essa decisão da empresa foi a coisa mais violenta que aconteceu na sua vida, pois de um dia para o outro ela sentiu que já não servia mais e que havia sofrido uma grande injustiça. Inconformada, ela recorreu à Justiça e foi recontratada pela TV Globo, mas pouco tempo depois fez um acordo com a
emissora e se desligou de vez. A partir deste acontecimento desagradável, muitas coisas mudaram na vida da comunicadora, principalmente em relação ao seu estilo de vida. Ela passou a dar mais atenção para si, para a sua saúde mental, a respeitar o seu cansaço e as suas necessidades, e não somente a se dedicar exaustivamente ao trabalho, como fazia anteriormente.
Segundo a jornalista, a síndrome de Burout não chega de um dia para o outro e não vai embora dessa maneira também. Antes mesmo de descobrir o distúrbio, ela apresentava sintomas como taquicardia, falta de ar, dores de cabeça, bruxismo, problemas de estômago, intestino, pele e hormonais, além de outros. “Dependendo da avaliação médica, você poderá tomar
remédios ou não. Já o afastamento do ambiente estressante é algo aconselhável em todos os casos, além da terapia. A re- cuperação do Burnout, que não tem cura, pode levar quatro anos” – destaca. Izabella também é autora do livro “Dá Tempo!: Como Encontrar Limite Em Um Mundo Sem Limites”, que já está na sua terceira edição. O texto, que começou
a ser escrito em 2017, antes mesmo da jornalista ter a síndrome, é direcionado às pessoas que querem fazer as pazes com o tempo. “O livro não é exatamente sobre Burnout, mas traz o meu relato sobre as doenças do tempo” – conta.
Atualmente, a jornalista também dá palestras por todo o Brasil e pelo exterior, nas quais aborda a questão da produtividade sustentável. Recentemente, ela esteve em Nova Iorque e Miami, onde contou sobre a sua experiência com o tema e muito mais… Ah, e como não poderia deixar de ser, hoje a brasileira também dedica um tempo especial para filha Angelina, de quase dois anos de idade, e para o marido, o educador financeiro Thiago Godoy, 41 anos. Confira a entrevista que Izabella Camargo concedeu à Linha Aberta Magazine.
LINHA ABERTA – Como foi a sua experiência com a síndrome de Burnout?
IZABELLA CAMARGO – Em 2018, quando aconteceu parecia ser o fim. Hoje, quase 5 anos depois, eu tenho a certeza de que foi o recomeço. Os presentes de Deus às vezes não vêm com embalagens brilhantes e fitas exuberantes… As situações desafiadoras têm me mostrado oportunidades grandiosas de evolução e do autoconhecimento.
LINHA ABERTA – Qual o primeiro sinal indicador do distúrbio?
IZABELLA CAMARGO – No meu caso foi a dor de estômago, depois vieram os problemas no intestino, problemas na pele e hormonais. E daí vieram outros.
LINHA ABERTA – Quais as primeiras iniciativas a serem tomadas após a detecção do problema?
IZABELLA CAMARGO – A síndrome de Burnout não chega de um dia para o outro e não vai embora dessa maneira também. Então, dependendo da avaliação médica, você poderá tomar remédios ou não. A terapia e o afastamento do ambiente estressante são aconselhados para todos os casos. A recuperação do Burnout, que não tem cura, pode levar quatro anos.
LINHA ABERTA – Como as pessoas que estão em volta de quem possui a síndrome podem ajudar, seja no ambiente de trabalho ou familiar?
IZABELLA CAMARGO – Em primeiro lugar se informando de fato sobre o que é a síndrome, que não é frescura, ou seja, que é um problema provocado pelo excesso de trabalho em um ambiente onde os recursos são inferiores às demandas e, que após um período longo de exaustão e o sujeito viver algum tipo de assédio, ele vai ter um dano existencial e com isso perder a sua funcionalidade (vai deixar de fazer algo que sempre fez com facilidade). Depois, se interessando pelo estado da pessoa e não julgando que, “pela aparência”, ela está bem e pode retomar às mesmas ou outras atividades.
LINHA ABERTA – Hoje as empresas já estão mais conscientes sobre o problema? Elas sabem como lidar e acolher de maneira adequada os funcionários que enfrentam o Burnout?
IZABELLA CAMARGO – Hoje o assunto tem sido mais debatido. Algumas empresas já fazem um trabalho de educação em saúde, onde eu atuo muito. Porém, a maioria não sabe como tratar e nem reabilitar uma pessoa que retorna do afastamento pelo Burnout. Nas empresas que já entenderam que a síndrome é uma consequência de ideias equivocadas sobre a produtividade, os resultados são extraordinários.
LINHA ABERTA – E na escola, as crianças e os adolescentes também estão enfrentando tal distúrbio?
IZABELLA CAMARGO – Não, pois a síndrome de Burnout está relacionada ao ambiente profissional, a funcionários, líderes e empreendedores. O cansaço é uma coisa, exaustão é outra. Burnout é exaustão sob algum tipo de assédio relacionado ao trabalho. Então, no ambiente escolar, os professores podem ter Burnout, os alunos não. O que eles têm é esgotamento devido ao excesso de provas e trabalhos. E isso vale também para o caso das mulheres, que sentem um esgotamento ocasionado pelos trabalhos domésticos, e que está relacionado ao machismo estrutural. Não existe ainda Burnout materno, digital, Burnout infantil, nem Burnout sexual…
LINHA ABERTA – Como os pais, professores e responsáveis pelas instituições de ensino podem ajudar? O que é importante saber e fazer?
IZABELLA CAMARGO – Tudo afeta a saúde mental e a saúde mental afeta tudo. Portanto, todas as atitudes precisam ser observadas. Não negligenciar as mudanças de comportamento é fundamental. Além disso, também é o papel de todos nós trabalharmos a redução do estigma em torno da saúde mental. Se o pensamento é a força mais poderosa do planeta, onde
estão os pensamentos? No joelho? Não! No cérebro! Então, nós precisamos falar de higiene e saúde mental assim como há 300 anos, quando começamos a falar de higiene e saúde bucal.
LINHA ABERTA – Você acha que o sistema atual de ensino, com tantas demandas aos alunos desde cedo, pode contribuir para o surgimento dessa exaustão e do Burnout aos professores?
IZABELLA CAMARGO – Os excessos podem trazer consequência em todas as áreas e idades. Sobre o ambiente escolar, os professores que precisam de atenção para o não desenvolvimento do problema entre eles. Os professores, assim como os profissionais da área de saúde e os jornalistas, fazem parte do grupo mais suscetível ao Burnout. Christina
Maslach, em seu livro The Cost of Caring, desde 1980 já alertava sobre as profissionais que vivem sob pressão constante e que não podem errar.
LINHA ABERTA – Hoje você está curada da síndrome ou a tem controlada? Quais as estratégias que utilizou?
IZABELLA CAMARGO – Não existe cura, mas tratamentos e vigilância constante para não cair nas mesmas armadilhas, como por exemplo, dizer sim para todo trabalho ou oportunidade e não saber descansar.
LINHA ABERTA – Como surgiu a ideia de escrever o livro “Dá Um Tempo!: Como Encontrar Limite Em Um Mundo Sem Limites”?
IZABELLA CAMARGO – O livro é direcionado para quem quer fazer as pazes com o tempo, já está na terceira edição e foi escrito em 2017, um ano antes de eu ter Burnout. Ele não é exatamente sobre a síndrome, mas eu mencionei o meu caso no capítulo sobre as doenças do tempo: ansiedade, depressão e Burnout. Ele tem prefácio do Mario Sergio Cortella e mais de 100 entrevistas com pessoas que marcam o nosso tempo, como o Leandro Karnal, a Monja Cohen, o Mauricio de Sousa, o maestro João Carlos Martins, a Fernanda Montenegro, o Lenine…
LINHA ABERTA – Quais são as dicas que você dá para as pessoas tentarem evitar o Burnout?
IZABELLA CAMARGO – A síndrome de Burnout pode ser prevenida e evitada assim como todo problema de saúde prevenível. Para isso, nós não poderemos normalizar o anormal, como as dores constantes pelo corpo. E, enquanto estivermos nos encolhendo para caber em algum emprego ou relacionamento, estaremos definhando a nossa existência. Eu conheço todos os desafios sociais e financeiros que nos coloca nessas situações, mas existe uma verdade inquestionável: “Você pode ter vários crachás, empregos e carreiras também, mas vida é uma só!” Para mim, o Burnout é a ausência de si mesmo. Mas, como eu já disse, é um freio, e não o fim. É um grande aviso para ajustar o ritmo que se mostra insustentável. Por isso, eu criei o Movimento da Produtividade Sustentável, desde 2020, para que CNPJs E CPFs possam falar a mesma língua, e para que o equilíbrio entre os desejos pessoais e profissionais não seja uma utopia.
TEXTO DE ALETHÉA MANTOVANI – @ALETHEAMANTOVANI