A Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva explica como o distanciamento social pode afetar a sua saúde mental e o seu comportamento
O distanciamento social imposto em épocas de pandemia, como a que estamos vivendo agora devido ao coronavírus, traz uma nova realidade à mente das pessoas e gera um comportamento diferente do habitual. E isso devido ao aumento da ansiedade, ao medo exagerado e às incertezas que esse período nos proporciona. Segundo a Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva, que é médica graduada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com residência em psiquiatria, e é membro da Academia de Ciências de New York, nesse momento, nós precisamos estar atentos a algumas questões importantes para mantermos a nossa mente saudável. Acompanhe a seguir a entrevista que ela concedeu à jornalista Alethéa Mantovani, da Linha Aberta Brazilian Magazine.
LINHA ABERTA MAGAZINE: A pandemia ocasionada pelo coronavírus trouxe um período de distanciamento social no mundo todo. Quais os impactos que essa reclusão pode causar na mente das pessoas?
DRA. ANA BEATRIZ: A situação atual é totalmente nova. A última vez que a população mundial passou por uma pandemia com esse grau de acometimento de tantos países foi no século passado, mais ou menos em 1920, com a gripe espanhola. Em outro tempo, nós tínhamos menos recursos e não havia a Internet para ocupar as pessoas como temos hoje. Então, a maioria dos indivíduos está vivendo essa situação pela primeira vez.
Portanto, tudo o que é novo ao ser humano acarreta sempre em reações inesperadas e, no caso de uma pandemia, o nível de medo e a ansiedade aumentam. O medo é uma coisa absolutamente concreta, pois no caso temos medo de um vírus, de nos infectarmos. Já a ansiedade é o que a gente imagina a partir dali, derivando até medos irreais, do tipo “todo mundo que pega o coronavírus terá uma evolução para algo mais grave”.
Toda vez que estamos diante de algo novo, o cérebro entra em alerta e, nesse primeiro momento, estamos num estado de muita perplexidade para saber o que irá acontecer. Mas, por uma questão do próprio funcionamento cerebral humano, a gente sempre tende a imaginar os piores cenários. É fácil entendermos isso, pois o nosso cérebro é programado para sobrevivermos, então ele sempre lida com os piores cenários.
E vai mudar muita coisa? Muda, pois nesse estado de estresse e alerta a gente tende a se recolher e a a mudar os hábitos, as pessoas não podem mais se beijar, se abraçar e tudo isso leva a uma certa desumanização da nossa empatia e da nossa maneira de se relacionar.
LINHA ABERTA – De que maneira o confinamento altera o comportamento dos indivíduos? Eles podem se tornar mais agressivos, por exemplo?
DRA. ANA BEATRIZ: Se colocarmos isso individualmente, o primeiro alerta para a questão do distanciamento é a ocorrência de uma alteração muito grande.
Segundo um estudo realizado no Canadá, em 2003, e publicado na revista The Lancet, quando o país teve um surto de SARS (um vírus derivado da China e que provocou uma síndrome respiratória aguda), ficou comprovado que todo confinamento com duração maior do que dez dias começa a provocar alterações que são derivadas desse estado de estresse e alerta. São elas: o nervosismo, caracterizado por uma inquietação que não permite deixar as pessoas paradas, elas ficam tentando arrumar coisas que preencham o seu dia, afinal elas tinham uma rotina prévia e que foi interrompida. Estas pessoas se comportam em casa com o mesmo nível de energia que elas tinham no dia a dia.
Portanto, esse nervosismo e essa inquietação são muito visíveis a partir do décimo dia. Nos primeiros dias, as pessoas pensam que irão descansar um pouco, assistir a uma série de TV. Porém, depois que esse período passa isso já não é mais um descanso, mas uma liberdade cortada, um distanciamento imposto. Surge nesse
momento a ansiedade e são imaginados os piores cenários em função do medo, este que evolui para um medo irracional e provoca nas pessoas uma sensação de que tudo será muito grave.
Daí surgem pensamentos do tipo: “os supermercados ficarão desabastecidos” ou “não haverá comida ou remédio”, ou seja, um cenário catastrófico. Consequentemente, isso agrava o estresse, o medo e a inquietação. Diante disso, o cérebro reage sempre da mesma maneira, ele libera uma substância chamada cortisol, que é um hormônio que nos faz enfrentar as adversidades, suportar a dor, que nos aumenta a pressão e a nossa circulação para irmos à luta, pois ele entende que estamos numa guerra. Com o excesso de cortisol, passamos então a ter uma queda da imunidade e nos alimentamos pior, pois geralmente acabamos atacando os doces.
O tédio também pode surgir em tempos de confinamento, por não termos o que fazer. É a frustração por estarmos fora da rotina e da liberdade de ir e vir. Nesse tédio passamos a ter a sensação da falta, pois antes o tempo era preenchido e agora está vazio. As pessoas de um modo geral tentam preencher esse tempo vazio de forma inapta, com coisas que dão muito prazer e passam a ter comportamentos impulsivos e compulsivos, como comprar muito pela Internet, comer muito – principalmente os alimentos pouco saudáveis, repletos de calorias, açúcar ou sódio – ou usar drogas. Porém, isso ocorrerá em pessoas que tinham uma personalidade prévia e que foi exacerbada durante essa situação de confinamento.
A desconfiança também é algo que pode ficar evidente nesse período. As pessoas começam a ficar extremamente desconfiadas e contraditórias em função dessa situação que nunca viveram – principalmente os indivíduos que já tem uma personalidade prévia um pouco paranoica ou desconfiada, pois trata-se de um momento de exacerbação.
Também pode haver nesse momento a exacerbação dos quadros mais comuns de adoecimento humano que nós temos hoje no mundo, ou seja, dos transtornos de ansiedade e depressão. O TOC (transtorno obsessivo compulsivo) é um dos que mais me preocupa nesse momento, pois ele já traz um nível de transtorno de ansiedade muito grande e constante, principalmente em relação às assepsias, às doenças e aos rituais bastante exacerbados no sentido de aliviar essa ansiedade. Então, as pessoas que sofrem de TOC precisam se comunicar com o médico para que sejam feitos pequenos ajustes. Esse transtorno é o mais grave que existe e nos casos mais sérios ele pode chegar a um ponto de psicose. Um dos casos mais graves de TOC que tivemos foi o do cantor Michael Jackson, que em alguns momentos da sua vida chegou a sair da realidade.
Também devemos estar atentos com as pessoas que tem ansiedade generalizada, fobias diversas – como a lugares fechados, por exemplo – ou mesmo o transtorno do pânico, pois nestes casos também poderá haver exacerbação. Agora, o pior inimigo de todos para a nossa saúde mental é o pensamento negativo, a desesperança e o pensamento catastrófico. Esse trio talvez seja o maior de todos os vírus, e que pode trazer repercussões muito graves.
LINHA ABERTA MAGAZINE: Em que momento a pessoa que está isolada precisa procurar a ajuda de um profissional, mesmo que à distância, ou será indicada a utilizar medicamentos prescritos por um psiquiatra?
DRA. ANA BEATRIZ: Tudo dependerá do estado em que a pessoa se encontra. Se ela já está em tratamento, deverá se conectar com o seu profissional, fazer consultas online ou por telefone (no caso do Brasil, estas foram liberadas pelo Conselho Regional de Medicina durante o período da pandemia) e informar como está. Porém, se a pessoa não está em tratamento e passa a ter algum transtorno, principalmente de ansiedade ou depressivo, e não consegue mais pensar de uma forma racional, ou seja, se tais pensamentos estão paralisando o seu dia e impedindo-a de ter uma rotina saudável, daí ela deverá procurar a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra.
LINHA ABERTA: Como podemos controlar a ansiedade e o medo ocasionados durante esse período e quais as atividades que podem trazer benefícios à nossa saúde mental enquanto estivermos isolados?
DRA. ANA BEATRIZ: Em primeiro lugar devemos entender que essa situação não está limitada a 15 ou 20 dias, mas que talvez se prolongue ainda mais. Mesmo que a gente volte para as rotinas, será uma coisa gradual e não repentina. Então, nós precisamos estar preparados para um momento que será mais delicado, principalmente na cabeça, e não podemos ser tão fatalistas. O mais importante é que devemos criar uma rotina, por exemplo, levantar, tirar o pijama, colocar uma roupa, se tiver trabalho pela Internet devemos fazer e nos horários estabelecidos, comer nos mesmos horários, fazer atividade física – podemos utilizar aplicativos que nos forneçam orientações. Os exercícios físicos são importantes pois eles ajudam a baixar o nível de estresse, melhoram a nossa tensão e o nosso estado geral.
Em relação às inseguranças, devemos pensar que nada é certo e que da mesma maneira que essa pandemia surgiu, pode vir a solução dela. O importante é não estar o tempo todo ligado em informações sobre essa situação. Ligue a TV somente uma vez por dia, de preferência no final dele, após você ter cumprido uma rotina, pois dessa forma o seu cérebro não receberá uma enxurrada de pensamentos ruins e não ficará num estado de alerta o tempo inteiro. Além disso, criar algo também é importante ou estudar coisas novas, fazer um curso online ou algo que não tenha a ver com o seu trabalho, como um curso de gastronomia ou de um novo idioma. Se você está tendo esse tempo, aproveite-o! Um curso online de relaxamento ou meditação também podem ser boas opções.
Outra dica importante é ouvir música de qualidade. A música cria uma faixa vibratória que acaba harmonizando a mesma faixa dos nossos pensamentos. Então, escute músicas que te levarão a um estado de espírito bacana, de esperança e disposição. Utilizar a atividade física com músicas também pode ser algo interessante para mantermos o nosso nível de energia elevado.
Outra dica é ler bons livros, bons conteúdos, algo que nos encante pelo conhecimento ou por uma boa história. Isso nos faz fugir da realidade de uma forma extremamente construtiva e não amedrontada. Também devemos aproveitar para ler bons filósofos. Uma recomendação que eu deixo aqui é sobre o Epiteto, um grande filósofo romano que fala sobre a arte de viver e a felicidade.